A FÉ QUE EU QUERO
O que é a fé? Simples: fé é a capacidade de mover a mão de Deus.
Foi por causa da falta de fé que Jesus não fez milagres em Nazaré.
Em contrapartida, foi exatamente a fé que salvou a mulher com fluxo hemorrágico. Foi também em resposta á grande fé da mulher Cananéia que sua filha foi liberta da opressão espiritual. Os exemplos poderiam se multiplicar para justificar que, na falta da fé, a mão de Deus fica encolhida, ele fica sem a condição necessária para agir. Quando falta a fé, Deus não é mobilizado: as pessoas não são curadas, os problemas não são resolvidos, a provisão não chega, a bênção não vem. Afinal, quem se aproxima de deus deve fazê-lo com fé, quer seja para receber qualquer boa dádiva quer para receber sabedoria. Quem pede vacilando não recebe. Quem pede com fé, crendo, recebe. É simples em fé assim. Fé é a capacidade de mover a mão de Deus. Certo? Mais ou menos.
Embora popular, este é o conceito mais pobre e superficial da fé. Na melhor das hipóteses, o menos enfatizado na Bíblia. É fato que estamos acostumados a considerar pessoas de fé aquelas cujas orações são respondidas por Deus com um “sim”. Parece que a grande evidência da fé é a capacidade de induzi-lo a fazer o que queremos ou desejamos que ele faça. A fé, portanto, coloca Deus em movimento. Pela fé, conseguimos curas, empregos, cônjuges, justiça, sucesso e prosperidade. Tudo porque buscamos a Deus com essa capacidade de fazê-lo agir em nosso favor.
Mas não creio assim. Aliás, creio que esse é o estágio mais infantil da fé. Minha compreensão de fé é um pouco diferente. Não creio que o conceito essencialmente de fé seja a capacidade de mover a mão de Deus. Não creio que a fé seja aquilo em nós que coloca Deus em movimento. Creio exatamente o oposto: a fé é aquilo em nós que nos coloca em movimento. A fé não mobiliza Deus. A fé mobiliza o fiel. Deus não precisa ser mobilizado. Jesus nos ensinou que o nosso Pai Celestial está cuidando de nós, dando-nos tudo, pois sabe do que precisamos antes mesmo de pedirmos. Jesus nos ensinou que o nosso Pai Celestial está trabalhando, trabalha desde a eternidade até hoje. Quem precisa ser mobilizado não é Deus. Eu é que preciso ser mobilizado.
Este é o ensinamento de Tiago. Você tem fé? Então mostre suas obras. “Você tem fé? Então não me venha com testemunhos das coisas que Deus fez em seu favor. Eu quero saber o que você fez em favor dos outros”. A fé é aquilo em nós que nos arremessa em direção ao próximo: quem tem fé e não reparte o pão ou não veste o que tem frio tem uma fé morta, uma fé que não vale nada, pois a fé não é a capacidade de mover a mão de Deus em nosso favor, mas a capacidade de mover a nossa mão em favor do próximo.
Foi por esta razão que Jesus exortou seus discípulos, chamando-os “homens de pequena fé”. A cena é bem conhecida: um barco, Jesus dormindo, os discípulos apavorados e uma tremenda tempestade no mar da Galileia. Os discípulos disputavam entre si para ver quem se atreveria a acordar Jesus e chamar sua atenção para o perigo iminente, quem seria o corajoso a denunciar o pouco-caso do Mestre para com suas vidas. Fizemos, então, o que qualquer um de nós faria: pediram que Jesus desse um jeito na chuva. Jesus atendeu ao seu clamor. Mas, estranhamente, em vez de elogiar sua fé, denunciou sua pequenez.
O que isso significa? Significa que eles tiveram fé suficiente em Jesus, mas não tiveram a fé de Jesus. Tinham fé suficiente para acreditar que Jesus poderia resolver o problema, mas não tinham fé suficiente para resolver o problema com a autoridade que Jesus lhes delegara. Pediram para Jesus agir, e Jesus agiu. Tiveram a fé que moveu a mão de Deus, mas não foram capazes de levantar as próprias mãos para dar ordem ao vento e à chuva. Sua fé os manteve com mãos recolhidas, desmoralizadas. O que aparentemente era expressão de fé e dependência do poder de Jesus era, na verdade, um ato covarde de quem não cresceu na fé.
As coisas continuam do mesmo jeito. A maioria dos discípulos contemporâneos busca crescer na fé para que possa usufruir mais de Deus. São poucos os que buscam crescer na fé para que possam ser mais úteis nas mãos de Deus. Creio que uma das razões para a distorção é que aprendemos a associar a fé às manifestações do poder de Deus. A fé está relacionada com serviço, e não com poder. “Você tem fé? Então me mostre as suas obras” – Tiago 2:18.
Basta você abrir sua Bíblia em Hebreus 11 e verificar que o elogio aos heróis da fé não se deve ao que Deus fez por eles, mas ao que, mobilizados pela fé, fizeram por Deus: ofereceram sacrifícios, obedeceram, dedicaram filhos, viveram como peregrinos, renunciaram a riquezas e posições, conquistaram reinos, praticaram a justiça, se entregaram ao martírio, sofreram toda sorte de infortúnios em favor e na esperança do Reino eterno e da cidade cujo fundamento é Deus. Os heróis da fé não são heróis por serem muito abençoados, mas porque abençoam muitos.
Há uma razão para que a fé nos mobilize na direção de Deus e do serviço. Muito provavelmente porque a fé não é confiança naquilo que Deus vai fazer ou pode fazer. Costumo dizer que isso não é fé, é esperança, pensamento positivo, torcida. A fé não é expectativa quanto ao que Deus vai fazer. A fé é confiança profunda em Deus. Fé é crer no caráter de Deus. Fé é deixar as preocupações com a própria vida – o que comer, o que vestir, onde morar – nas mãos de Deus, confiando em sua bondade, seus propósitos e suas intenções. Fé é crer que Deus tem para nós planos de paz e felicidade, para nos dar um futuro. Somente quem crê assim em Deus é livre para deixar de pensar em si e experimentar a liberdade necessária para que as mãos sejam mobilizadas na direção do serviço ao próximo.
Creio, sim, que Deus age em resposta à fé. Creio que a incredulidade nos priva de muito do que Deus tem para nos dar. Creio, sim, que não raras vezes somos invadidos por convicções profundas quanto ao mover de Deus e seus feitos que nos são comunicados ao coração de antemão pelo Espírito Santo. Mas creio também que minha fé não deve se prestar ao papel de pretender mover a mão de Deus. Ao que aspiro é a dimensão de fé que faz de Deus meu companheiro. Quero a qualidade de fé que me possibilite andar com Deus, a extensão da fé que me leve para dentro do coração do Pai, cada vez mais fundo, para que ouça sua voz, receba a revelação de seus propósitos, ouça seus segredos. E que de lá eu me levante com mãos arregaçadas para cumprir sua vontade – ser e fazer no mundo aquilo que estou destinado a ser e fazer para Deus, seu Reino, sua Igreja e os que ainda não são completamente seus.
Não quero a fé que espera Deus trabalhar por mim. Quero a fé que me faz trabalhar para Deus. Não quero a fé que me faça prosperar entre meus irmãos. Quero a fé que me faça cooperar e servir para que meus irmãos prosperem. No fundo, acho que sou movido por ambições maiores: não quero ser apenas fiel, quero ser herói da fé. Não me basta ser o tipo de homem que é digno no mundo. O que quero mesmo é ser o tipo de homem do qual o mundo não é digno.
(Por Ed René Kivitz. Livro: "Outra Espiritualidade")